No último dia de férias, Lilico nem dormiu direito. Não via a hora de
voltar à escola e rever os amigos. Acordou feliz da vida, tomou o café
da manhã às pressas, pegou sua mochila e foi ao encontro deles.
Abraçou-os à entrada da escola, mostrou o relógio que ganhara de Natal,
contou sobre sua viagem ao litoral. Depois ouviu as histórias dos amigos
e divertiu-se com eles, o coração latejando de alegria. Aos poucos, foi
matando a saudade das descobertas que fazia ali, das meninas
ruidosas, do azul e branco dos uniformes, daquele burburinho à beira do
portão. Sentia-se como um peixe de volta ao mar. Mas, quando o sino
anunciou o início das aulas, Lilico descobriu que caíra numa classe
onde não havia nenhum de seus amigos. Encontrou lá só gente estranha,
que o observava dos pés à cabeça, em silêncio. Viu-se perdido e o
sorriso que iluminava seu rosto se apagou. Antes de começar, a
professora pediu que cada aluno se apresentasse. Aborrecido, Lilico
estudava seus novos companheiros. Tinha um japonês de cabelos espetados
com jeito de nerd. Uma garota de olhos azuis, vinda do Sul,
pareceu-lhe fria e arrogante. Um menino alto, que quase bateu no teto
quando se ergueu, dava toda a pinta de ser um bobo. E a menina que
morava no sítio? A coitada comia palavras, olhava-os assustada, igual a
um bicho-do-mato. O mulato, filho de pescador, falava arrastado,
estalando a língua, com sotaque de malandro. E havia uns garotos com
tatuagens umas meninas usando óculos de lentes grossas, todos esquisitos
aos olhos de Lilico. A professora? Tão diferente das que ele
conhecera... Logo que soou o sinal para o recreio, Lilico saiu a mil
por hora, à procura de seus antigos colegas. Surpreendeu-se ao vê-los em
roda, animados, junto aos estudantes que haviam conhecido horas antes.
De volta à sala de aula, a professora passou uma tarefa em grupo. Lilico
caiu com o japonês, a menina gaúcha, o mulato e o grandalhão.
Começaram a conversar cheios de cautela, mas paulatinamente foram se
soltando, a ponto de, ao fim do exercício, parecer que se conheciam há
anos. Lilico descobriu que o japonês não era nerd, não: era
ótimo em Matemática, mas tinha dificuldade em Português. A gaúcha, que
lhe parecera tão metida, era gentil e o mirava ternamente com seus
lindos olhos azuis. O mulato era um caiçara responsável, ajudava o pai
desde criança e prometeu ensinar a todos os segredos de uma boa
pescaria. O grandalhão não tinha nada de bobo. Raciocinava rapidamente
e, com aquele tamanho, seria legal jogar basquete no time dele. Lilico
descobriu mais. Inclusive que o haviam achado mal-humorado quando ele
se apresentara, mas já não pensavam assim. Então, mirou a menina do
sítio e pensou no quanto seria bom conhecê-la. Devia saber tudo de
passarinhos. Sim, justamente porque eram diferentes havia encanto nas
pessoas. Se ele descobrira aquilo no primeiro dia de aula, quantas
descobertas não haveria de fazer no ano inteiro? E, como um lápis
deslizando numa folha de papel, um sorriso se desenhou novamente no
rosto de Lilico.
Crônica de João Anzanello Carrascoza, ilustrada por Daisy Sartori
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